domingo, 13 de março de 2011

EN 4 – BADAJOZ À VISTA


A EN 4 é uma estrada muito simples. Parte de Lisboa e chega a… Paris!! Bom, na prática não parte bem de Lisboa, nem chega bem a Paris. Sai do Montijo, na margem esquerda do Tejo, passa em Vendas Novas, Montemor-o-Novo, passa estranhamente muito ao largo de Évora, sobe para Arraiolos, avista o belo Castelo de Évora Monte, passa na bela Estremoz, faz uma pequena paragem em Elvas e…, uns quilómetros mais à frente, …muda de nome, muda de número, muda de traçado, muda de asfalto, os condutores mudam de atitude e passam a respeitar o código da estrada, até muda para pesetas, ou melhor, mudava, aqui há uns anitos.

A EN 4 tem uma particularidade muito interessante. Apesar de sair do Montijo, oficialmente o seu início é em Lisboa. Provavelmente, no Plano Rodoviário Nacional de 1945, estaria previsto desde logo a construção de uma ponte rodoviária de Lisboa ao Montijo. Aliás, como podemos ver no Km 20 da EN 4, o Montijo encontra-se a apenas 8 Km, correspondendo os restantes 12 Km à travessia do Tejo.


Como tenho uns primos que vivem no sul de França, fiz já muitas vezes esta estrada até à fronteira com Espanha, seguindo depois pela antiga Nacional VII (que agora é uma autovia), por Badajoz, Madrid, Saragoça, Barcelona, fronteira com a França, Narbonne, Carcassonne (cidade medieval) e, por fim, Limoux. Recordo-me perfeitamente das longas viagens para França que fiz com os meus tios e primos, em pleno pico do Verão.


A primeira viagem para França de que me recordo foi em 1975, tinha eu 8 anos, e foi feita em pleno Verão quente do PREC. O meu tio tinha acabado de comprar um Mazda 808 azul-escuro, novinho em folha, e com aqueles faróis traseiros muito giros. O meu pai foi tirar o meu passaporte ao Governo Civil; pediu com urgência; houve dificuldades; deu um envelopezinho num aperto de mão; conseguiu o documento em dois dias e lá nos metemos no carro, a caminho. Demorámos dois dias inteiros para chegar ao sul de França. Foi uma aventura. Naqueles anos a viagem era feita na sua totalidade por estradas nacionais e passámos por locais lindíssimos. No centro de Espanha, entre Madrid e Saragoça, chegámos a suportar temperaturas de 45oC. Como não havia ar condicionado, ou melhor, o ar era condicionado pela temperatura exterior, íamos de janelas abertas e usávamos borrifadores de água para nos refrescarmos. Pernoitámos em Guadalajara num motel de estrada. Não dormimos nada com o calor abrasador da noite espanhola. No dia seguinte lá continuámos e em Saragoça resolvemos virar para Andorra. Foi fantástico.

O regresso foi muito parecido. Atravessámos os Pirenéus na fronteira em Le Boulou e La Jonquera, e atravessámos a Espanha semidesértica. Quando chegámos à fronteira do Caia reencontrámos a nossa EN 4, as rectas a perder de vista, o nosso Alentejo, o nosso casario, o nosso cheiro, a nossa luz, o nosso pôr-do-sol, a nossa vontade de chegar a casa, o nosso Mazda que voava na recta de Pegões, a ponte Marechal Carmona e finalmente Lisboa, cheio de saudades, após quase um mês sem a ver.

domingo, 16 de janeiro de 2011

EN 1 – A IMPERATRIZ SEM TRONO


Se a EN 2 é a Rainha das estradas, a EN 1 é a verdadeira imperatriz. É a principal estrada de Portugal e liga a capital à 2ª maior cidade do país. Durante décadas foi a única rota aceitável para ir de Lisboa ao Porto. Recordo-me perfeitamente, nas idas à “terra” para passar férias, no Citroën DS do meu pai, da autêntica epopeia que era para ir ultrapassando, paulatinamente e pacientemente, todas aquelas filas cerradas de camiões SCANIA, DAF, BEDFORD, MAN, IVECO, FIAT e outros.

Aceleração daqui, fumarada dali, o meu pai olhava, hesitava um pouco, o camião mesmo à nossa frente, cheio de porcos para o matadouro, balançava de um lado para o outro como que a certificar-se da dificuldade da ultrapassagem, ele via uma nesga, metia a terceira, aceleração ao máximo, 4ª velocidade, o DS roncava, o meu pai inclinava-se para a frente, bem agarrado ao volante, para ajudar o carro a fazer força, a minha mãe fazia em silêncio uma pequena oração, lá ao fundo um Opel Kadete mostrava os máximos, o condutor do camião, com um belo bigode das lezírias, olhava para nós com um sorriso dissimulado a pensar… mais uns para o matadouro…, as coisa não avançavam, a situação tornava-se demasiado tensa, até que segundos depois o DS guinava à direita, o Kadete passava por nós a grande velocidade e de faróis abertos, o condutor do camião dos porcos mostrava a sua frustração, ainda que dissimuladamente, claro, a tensão baixava drasticamente dentro do carro, a minha mãe respirava… finalmente, o meu pai relaxava os ombros e, sem que houvesse tempo para distracções, lá tínhamos outro camião à nossa frente, de condutor com boina e ovelhas na caixa. Lá íamos nós outra vez.

Toda esta emoção faz parte das minhas memórias da Estrada Nacional n.º 1. Apesar de estarmos demasiadamente preocupados com as ultrapassagens, lembro-me que o percurso era muito bonito. Passávamos no Carregado, em Alenquer, Asseisseira – onde a estrada passava bem no meio das casas, Alto da Serra – sempre atrás dos camiões, Venda das Raparigas – um nome que eu achava muito engraçado, Leiria, Pombal, Condeixa, Coimbra e Mealhada. Depois, virávamos para o Luso, para irmos apanhar a EN 2 em Santa Comba Dão, e seguir para Lamego.

Actualmente, a EN 1 foi destronada pela auto-estrada A1, que, tal como ela, vai de Lisboa ao Porto, é mais segura, ultrapassamos mais facilmente os camiões, cujos condutores não têm bigode nem boina, e não transportam nem suínos nem ovinos, não há fumaradas nem grandes tensões, enfim… um aborrecimento mais seguro e mais caro. No outro dia resolvi passear pela EN1. Entrei no Carregado e fui andando ao sabor das curvas e das rectas. Aproveitei para fotografar alguns marcos quilométricos interessantes, enquanto não os tiram de lá, e para passar pela velhinha Ponderosa. A EN 1, qual velha Imperatriz, ainda mostra aqui e ali toda a sua altivez e os resquícios da sua importância de outrora. Já não tem camiões, não ultrapassei ninguém, mas tive pena e muitas saudades. Foram outros tempos…