domingo, 16 de janeiro de 2011

EN 1 – A IMPERATRIZ SEM TRONO


Se a EN 2 é a Rainha das estradas, a EN 1 é a verdadeira imperatriz. É a principal estrada de Portugal e liga a capital à 2ª maior cidade do país. Durante décadas foi a única rota aceitável para ir de Lisboa ao Porto. Recordo-me perfeitamente, nas idas à “terra” para passar férias, no Citroën DS do meu pai, da autêntica epopeia que era para ir ultrapassando, paulatinamente e pacientemente, todas aquelas filas cerradas de camiões SCANIA, DAF, BEDFORD, MAN, IVECO, FIAT e outros.

Aceleração daqui, fumarada dali, o meu pai olhava, hesitava um pouco, o camião mesmo à nossa frente, cheio de porcos para o matadouro, balançava de um lado para o outro como que a certificar-se da dificuldade da ultrapassagem, ele via uma nesga, metia a terceira, aceleração ao máximo, 4ª velocidade, o DS roncava, o meu pai inclinava-se para a frente, bem agarrado ao volante, para ajudar o carro a fazer força, a minha mãe fazia em silêncio uma pequena oração, lá ao fundo um Opel Kadete mostrava os máximos, o condutor do camião, com um belo bigode das lezírias, olhava para nós com um sorriso dissimulado a pensar… mais uns para o matadouro…, as coisa não avançavam, a situação tornava-se demasiado tensa, até que segundos depois o DS guinava à direita, o Kadete passava por nós a grande velocidade e de faróis abertos, o condutor do camião dos porcos mostrava a sua frustração, ainda que dissimuladamente, claro, a tensão baixava drasticamente dentro do carro, a minha mãe respirava… finalmente, o meu pai relaxava os ombros e, sem que houvesse tempo para distracções, lá tínhamos outro camião à nossa frente, de condutor com boina e ovelhas na caixa. Lá íamos nós outra vez.

Toda esta emoção faz parte das minhas memórias da Estrada Nacional n.º 1. Apesar de estarmos demasiadamente preocupados com as ultrapassagens, lembro-me que o percurso era muito bonito. Passávamos no Carregado, em Alenquer, Asseisseira – onde a estrada passava bem no meio das casas, Alto da Serra – sempre atrás dos camiões, Venda das Raparigas – um nome que eu achava muito engraçado, Leiria, Pombal, Condeixa, Coimbra e Mealhada. Depois, virávamos para o Luso, para irmos apanhar a EN 2 em Santa Comba Dão, e seguir para Lamego.

Actualmente, a EN 1 foi destronada pela auto-estrada A1, que, tal como ela, vai de Lisboa ao Porto, é mais segura, ultrapassamos mais facilmente os camiões, cujos condutores não têm bigode nem boina, e não transportam nem suínos nem ovinos, não há fumaradas nem grandes tensões, enfim… um aborrecimento mais seguro e mais caro. No outro dia resolvi passear pela EN1. Entrei no Carregado e fui andando ao sabor das curvas e das rectas. Aproveitei para fotografar alguns marcos quilométricos interessantes, enquanto não os tiram de lá, e para passar pela velhinha Ponderosa. A EN 1, qual velha Imperatriz, ainda mostra aqui e ali toda a sua altivez e os resquícios da sua importância de outrora. Já não tem camiões, não ultrapassei ninguém, mas tive pena e muitas saudades. Foram outros tempos…