domingo, 19 de dezembro de 2010

A RAINHA DAS ESTRADAS


São mais de 700 Km. Curvas no Algarve, rectas a perder de vista no Alentejo, troços sinuosos de montanha no centro do país, planaltos frios e áridos na Beira Alta, rios e vales cavados no Douro e por fim sobe a pouco e pouco pelo Marão acima até chegar a Chaves. É a mais mítica estrada portuguesa. Nunca percorri a Estrada Nacional n.º 2 na sua totalidade; em certos pontos encontra-se em mau estado e até interrompida pela construção de auto-estradas, IPs; ICs e outros Is, todos com traçados modernos e bons pisos, mas muito frios e impessoais.

Não é certamente a estrada nacional mais importante e não foi feita para servir as maiores cidades portuguesas. No entanto, tem o eminente título da mais longa estrada portuguesa, com os seus 740 km desde Chaves, em Trás-os-Montes, até Faro, no Algarve. Atravessa Portugal de norte a sul; é a nossa Road 66, a estrada que atravessa os EUA coast to coast.

Foi planeada e construída para ser a rainha das estradas, tal como a sua numeração indica, quando foi pensado o Plano Rodoviário Nacional nos anos 40. A ideia era a de ter uma estrada importante que passasse no interior do país e que ligasse as principais cidades da “província”, contribuindo desta forma para um maior desenvolvimento do interior, já nessa altura a principiar o seu processo de desertificação. Só para ter uma ideia, a EN 2, para além de Chaves e Faro, as cidades terminais, passa também em Vila Real, Régua, Lamego, Viseu, quase, quase em Coimbra (passa a apenas alguns quilómetros), Abrantes, Ponte de Sôr, Montemor-o-Novo, Ferreira do Alentejo, Aljustrel, Castro Verde, Almodôvar (a última antes de entrar no Algarve), entre outras localidades de menor importância, mas igualmente interessantes.

Durante muitos anos foi a principal via de acesso ao Algarve. Recebia os Lisboetas que lhe chegavam pela EN 5, que parte do Montijo e a ela se junta no Torrão, e levava-os a Faro através das planícies do Alentejo e, já no Algarve, pelas curvas da Serra do Malhão. Em Faro, os viajantes podiam então chegar aos seus destinos pela também famosa EN 125, a estrada de 1ª categoria com a numeração mais elevada.

A propósito, é de salientar que o Plano Rodoviário Nacional de 1945 previa a existência de estradas nacionais de 1ª categoria, das quais 18 itinerários principais – estradas nacionais com numeração de 1 a 18. As restantes estradas nacionais de 1ª categoria ficaram com a numeração de 101 a 125, numeração que aumenta de norte para sul.

sábado, 30 de outubro de 2010

ESTRADAS NACIONAIS


Nos tempos em que era miúdo, o meu pai tirava as suas férias no mês de Setembro. Era uma tradição ir à “terra” apenas em Setembro. É o mês das festas de Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego. Actualmente, seria impossível. Desde que Portugal segue as directivas europeias, que as nossas escolas deixaram de abrir somente em Outubro, e o ano lectivo passou a ter início logo a meio de Setembro. É uma pena.

A viagem para Lamego era feita nos moldes tradicionais. Todos acordados e de pé às 4.30h da madrugada. A minha mãe, que praticamente não tinha dormido, fazia os últimos preparativos. O meu pai, no seu método não científico lá ia encafuando as malas e sacos para dentro do porta-bagagem do nosso Citroën “boca de sapo”. Era um Citroën DS de 1972, cinzento metalizado, com a alavanca das mudanças no volante. Foi o primeiro carro de série a ter direcção assistida. O meu pai ainda o tem guardado na garagem. Nunca teve coragem de o vender.

Era uma viagem de 400 km que, nos dias bons e sem muitos camiões, poderia demorar cerca de 5/6h, tudo feito em estradas nacionais. Bom, tudo, não. Os primeiros 25 km da viagem, até Vila Franca de Xira, eram feitos em auto-estrada, um luxo. Passávamos em muitas cidades, vilas e outras localidades, e tínhamos os nossos pontos de paragem favoritos. Ainda hoje me lembro do almoço, sempre no mesmo café, do qual já não me lembro o nome, ali mesmo à saída de Coimbra, e dos deliciosos pregos que aí comíamos. A partir de Castro D’Aire o meu pai dizia que o carro já ia sozinho, nem precisava de acelerar. E eu acreditava piamente nisso.

No banco de trás do DS, para passar o tempo, eu e os meus dois irmãos, sem cinto de segurança nem cadeirinhas, fazíamos, todos ao molho, o jogo das marcas de carros. Quem escolhia a FIAT ganhava de certeza. Eu mantinha-me fiel à Citroën e perdia sempre. Passávamos também o tempo a olhar para os marcos quilométricos. Ver os quilómetros a passar e a diminuir minorava o sofrimento de uma viagem tão longa. Fiquei sempre com este bichinho na minha cabeça.

Há uns anos comprei uma máquina fotográfica digital e a partir daí comecei a fotografar os poucos marcos quilométricos, ainda existentes, do Plano Rodoviário Nacional de 1945. Penso que este passatempo é apenas um pretexto para sair da auto-estrada e mostrar à família as vilas e cidades que fazem o nosso país. Actualmente, entramos numa auto-estrada e saímos numa determinada cidade sem saber por onde passámos. É como entrar num túnel e sair do outro lado. Sempre que posso viajo pelas estradas nacionais, a melhor maneira de conhecer verdadeiramente o nosso país.

Entretanto, voltando aos marcos quilométricos, sempre me fascinou um certo marco, já perto de Lamego que indicava: “Faro – 635 km”. Não entendia, na altura, como é que um marco quilométrico poderia indicar uma cidade que ficava tão longe dali. Só mais tarde percebi que estávamos na Estrada Nacional 2, a mais longa estrada portuguesa.
A Rainha das Estradas.